quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Da janelinha, assistimos tudo

Em 12 de junho de 2000, Sandro do Nascimento seqüestra um ônibus na zona sul carioca. Seis mulheres são mantidas como reféns. Após quatro horas de tensão entre seqüestrador, seqüestradas e Polícia Militar, uma das vítimas é acidentalmente morta por um dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e o seqüestrador é assassinado a caminho da delegacia. Depois de dois anos, a tragédia é tema de mais um documentário brasileiro que retrata a crescente violência nas principais capitais do País.

Assim como Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles, e O Prisioneiro da Grade de Ferro, filmado pelos próprios detentos da extinta Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, que utilizaram depoimentos verídicos para construir a narrativa, o documentário Ônibus 174, dirigido por José Padilha, choca pela maneira que expõe uma das grandes mazelas da nossa sociedade: a exclusão social e suas conseqüências. Construído a partir de técnicas jornalísticas, em que os envolvidos no episódio contam sobre o tipo de relação que mantinham com Sandro e opinam sobre o ocorrido, o filme pode parecer para alguns como uma tentativa de inocentar Sandro de sua atitude. Ou, ao contrário, pode ter sido feito para mostrar a atrocidade que esse “bandido” fez e o que isso mereceu.

No entanto, a questão mais importante não é avaliar o grau de culpabilidade de Sandro. Se ele era ou não um criminoso e merecia morrer na cadeia (ou no camburão), não é caso agora, apesar de sermos totalmente contrários a tal prática. Mas as dúvidas sempre pairam em nossas cabeças. Por que as políticas públicas não funcionam? E por que insistimos em não fazer nada com a desculpa de que é impossível dar conta de toda a miséria e violência que permeiam a vida de pessoas como Sandro? Paramos nos porquês e nunca chegamos aos “comos”. Como resolver? Como prevenir? Como (re)habilitar uma pessoa sem estrutura alguma? Aliás, habilidade é o que parece faltar em todos nós. Habilidade para lidar com essas situações.

A verdade é que Padilha consegue incomodar e tirar parte de uma venda que cega voluntariamente classes mais abonadas. Os relatos que reconstroem mais essa tragédia humana são de policiais envolvidos, das vítimas que sobreviveram, de jornalistas que transmitiram em tempo real a ação policial e os movimentos de Sandro dentro e fora do ônibus e de amigos e familiares do rapaz. Os micro-depoimentos se complementam e formam uma história maior, que vai além daquele ônibus e nos atinge em cheio enquanto sentamos em frente à televisão.